🌌 Os Que Voltaram Diferentes – Capítulo 17

Foi na terceira madrugada após a aparição da Deusa das Fendas que os sinos da torre tocaram sozinhos. Não havia vento. Não havia mãos. Apenas um som metálico cortando o silêncio da aldeia como um sussurro que vira grito.

No dia seguinte, as portas da aldeia estavam entreabertas. E nas trilhas de terra que levavam à floresta, vinham figuras que ninguém esperava rever.

Eles voltaram.

Homens e mulheres que haviam desaparecido ao longo de décadas. Gente dada como morta. Alguns sumidos há tanto tempo que os mais jovens só conheciam seus nomes por histórias contadas ao pé do fogo. Mas ali estavam. De pé. Caminhando lentamente. Como se tivessem sido libertos de um lugar onde o tempo não era linear.

Mas não voltaram como partiram.

Seus olhos brilhavam no escuro. Um brilho tênue, como vaga-lumes contidos na íris. E suas vozes tinham eco. Quando falavam, ouviam-se duas entonações sobrepostas. Uma humana. Outra que parecia vir da terra molhada, dos túneis profundos, das raízes que sussurram.

Diziam ser ponte entre mundos.

Não eram agressivos. Nem frios. Mas estavam mudos por dentro de algo que ninguém conseguia nomear. Alguns deles tocavam as paredes das casas como se reconhecessem a madeira. Outros sorriam para crianças que nunca haviam visto.

Lia, a menina dos olhos tristes, reconheceu um deles como seu avô. Ele a chamou pelo nome que só ele usava. Mas ao abraçá-lo, ela se afastou assustada. O corpo dele estava quente como a terra sob o sol, mas o abraço era oco, como se a carne estivesse ali e a alma estivesse apenas visitando.

Os aldeões se dividiram.

Alguns acreditavam que aquele era um milagre. Um retorno guiado pela Deusa. Outros diziam que aquilo não era vida, mas uma imitação feita pelas raízes. Que os verdadeiros nunca voltariam. Que aquilo era um teste.

Darina tentou conversar com um dos retornados, uma mulher chamada Solen, desaparecida há vinte e três anos. Perguntou onde estivera.

Solen respondeu com um olhar sereno.

Estivemos no silêncio onde os nomes são apagados. Aprendemos a escutar o que vocês enterraram sem ritual. Agora viemos lembrar.

As palavras não eram ameaça. Mas não havia paz nelas.

O Guardião convocou uma reunião na clareira. A pergunta era direta. Deveriam ser acolhidos ou expulsos?

Ninguém respondeu de imediato. Até que Nara, a criança sem sombra, aproximou-se dos retornados e estendeu a mão.

Eles não querem ficar. Só precisam ser ouvidos. O que carregam não é presença. É passagem.

E então completou, encarando a árvore ao centro da clareira:

Se não aprendermos a ouvir o que volta, nunca vamos compreender o que parte.

Naquela noite, os retornados dormiram à beira da mata. Pela manhã, não estavam mais ali.

No chão onde estiveram, havia raízes recém-brotadas em forma de círculo. E no centro, uma única pedra com a palavra inscrita em língua esquecida.

Pertencemos.

Os Que Voltaram Diferentes – Capítulo 17